Acordei com vontade de fazer algumas coisas, mas fiz
apenas o que sinto que posso fazer sem ofender a dona da casa. Não sei explicar
porque tenho essa constante sensação de que estou ofendendo minha mão com tudo
que eu faço. Parece que tudo e errado, se eu peço permissão estou sendo sem
iniciativa, se eu faço sem perguntar estou sendo muito intrometida nas coisas
da casa. Fica complicado agrada uma pessoa que vive procurando defeitos na sua
conduta. E eu desisti já faz um tempo de descobrir como agradar a ela e
satisfazer suas vontades.
“Desde
que minha filha nasceu eu entendi que satisfazer minha mãe era algo impossível,
e que se eu conseguisse conviver com ela sem a constante ameaça de guerra para
construir uma relação sadia e amiga, com amor e cumplicidade, tendo na minha
filha um elo de fraternidade. Eu estava conseguindo, ou pelo menos me iludi
achando que estava conseguindo isso quando fiquei gravida e me mantive no rio
de janeiro, enfrentei todos os desafios sozinha, para ter minha filha e a
maternidade foi mais um obstáculo que materialmente ela me ajudou a distancia.
Sem o apoio material dela provavelmente eu teria tido muito mais dificuldade de
enfrentar, mas olhando para trás eu sei que não teria desistido.
Me iludi por acreditar que eu conseguiria
passar uma borracha por cima de tudo que aconteceu, senti e vivemos e iriamos
começar de novo. A verdade é que não conseguirmos, frases constantes de : o meu
consolo é que você vai passar com sua filha tudo que eu passei com você me
atingem de forma dolorida. Porque eu sei que fiz minha mãe passar por situações
muitas vezes constrangedoras, fiz coisas que olhando agora como mãe me
arrependo, mas olhando minha filha eu vejo que ela não terá motivos para agir
da mesma forma, eu não irei culpar ela por tudo que os outros vierem me falar
que ela fez sem nunca acreditar nela, sem nunca dar a ela o direito de se
defender e apresentar sua versão da historia. Quero e peço à Deus por
misericórdia cada vez que escuto essa frase, não porque amaldiçoou minha mãe,
mas porque sei que como ser humano as pessoas erram, e aprendemos com nossos
erros e com os erros dos outros.
Podemos
aprender errando, observando o erro dos outros, ou tendo empatia. Ou podemos
simplesmente ter memória. Eu não me permito esquecer algumas sensações que eu
tive e me ensinaram, alguns chamam de rancor, eu não acho que seja, se fosse eu
me lembraria o nome das pessoas que estavam envolvidas nas situações, mas eu só
me lembro da situação em si e do sentimento que ela me trouxe, então não acho
que seja rancor. Foi dilacerante e me machucou demais levar uma surra do meu
pai por uma coisa que eu não havia feito, alguém sabia que eu não havia feito e
assistiu eu ser castigada por aquilo e não me defendeu. Aquilo até hoje me vem
na memória quando eu sei de algo e vejo alguém sendo injustamente acusado por
aquilo. Podem me chamar de boba! Sei que posso nem ter passado por isso. Pode
ser uma impressão forte que ficou de algum filme que vi quando criança. Mas sou
assim.
Isso é
muito forte em mim, que já me coloquei em perigo por isso. Se não morri é
porque Deus teve misericórdia e colocou anjos para me protegerem. A mais
recente das vezes foi saindo do hospital, minha filha internada na UTI e eu fui
assaltada, levaram meu telefone, foi muito rápido, dois drogados, aparentemente
armados, Caxias – RJ, Viaduto da Dutra, Próximo a Maternidade; ali é ponto
conhecido de drogados e ladrão. Mas naquele dia eu estava distraída, extasiada
por minha filha ter saído de uma unidade de terapia super intensiva e ido para
uma de terapia um pouco menos intensiva, tinha passado minha primeira noite em
claro sentada em uma cadeira de bar velando pela minha bebê dentro do hospital
ouvindo choro de neném e bip de maquinas de hospital. Minha cabeça estava
zoada. Quando os ladrões chegaram, eu me desesperei e tentei segurar o
telefone, eu só pensava nas fotos da minha filha que eu tinha tirado durante a
noite. Eles me empurraram e levaram o telefone e só não atiraram em mim porque
apareceu um senhor correndo e eles correram.
O senhor
me acompanhou aos prantos até o ponto de ônibus, me deu dinheiro para que eu
pudesse pegar um ônibus para ir para casa e comprou uma agua pra mim. Ele e
outras pessoas no ponto tentaram me acalmar, eu não conseguia falar, o que
ninguém sabia, ninguém precisava saber e eu só tremia e soluçava. Lembrei do
cartão de crédito do pai da minha filha que estava na bolsa, do meu cartão de
banco. Sentei, chorei e chorei. Do nada começou uma gritaria e quando eu vi as
pessoas se juntavam e pareciam agredir uma pessoa no chão e tinha uma coisa ao
lado. Era minha bolsa! Eu não pensei, entrei no meio daquela gente que agredia
aquela pessoa e peguei minha bolsa. Não tinha sido ele que pegou minha bolsa.
Ele olhou pra mim e disse eu vi quando pegaram da senhora e jogaram fora, achei
que a senhora ia querer as roupinhas. Eu olhava pra ele e não conseguia chorar
mais, levantei e comecei a gritar com as pessoas, chamar todos de loucos, falar
que aquilo não se faz. Até que um deles falou: quando os caras te roubaram eles
não perguntaram nada pra senhora, a gente ia esperar ele te matar pra fazer
alguma coisa?
Isso me
fez pensar, naquele dia eu entendi uma coisa, moramos em uma sociedade tão
doente que mesmo quando queremos ser bons somos compreendidos de forma errada
pelas pessoas. Apenas porque as pessoas não sabem mais o que é exercitar a boa
ação com o próximo. E não é apenas uma palavra, um texto ou um gesto aleatório.
È um exercício diário que temos eu nos policiar em fazer sem escolher para ou
por quem estamos fazendo. Para nos sentirmos bem com os outros e eles verem que
somos bons? Não. Para nos sentirmos bons conosco e sermos bons apenas por
sermos bons. Faz parte de ter um mundo melhor para nossos filhos sermos pessoas
melhores.
Eu não
sei se vou conseguir ser uma pessoa muito melhor, não sei se consigo ser uma
pessoa boa, conforme envelhecemos vamos ficando chatas, eu já tenho algumas
manias de velha, mas estou me policiando para essas manias não se tornarem
insuportáveis. Apenas quero a sabedoria de conseguir mesmo com minhas manias
acompanhar minha filha e sua trajetória sem me colocar no seu caminho ou
interferir no seu desenvolvimento. Quero poder ver ela desabrochar e ser um
apoio nesse florescer dela e não fazer ela se sentir presa a mim como muitas
vezes eu me sinto com minha mãe.