segunda-feira, 15 de junho de 2020

15/06/2020

Acordei com vontade de fazer algumas coisas, mas fiz apenas o que sinto que posso fazer sem ofender a dona da casa. Não sei explicar porque tenho essa constante sensação de que estou ofendendo minha mão com tudo que eu faço. Parece que tudo e errado, se eu peço permissão estou sendo sem iniciativa, se eu faço sem perguntar estou sendo muito intrometida nas coisas da casa. Fica complicado agrada uma pessoa que vive procurando defeitos na sua conduta. E eu desisti já faz um tempo de descobrir como agradar a ela e satisfazer suas vontades.

            “Desde que minha filha nasceu eu entendi que satisfazer minha mãe era algo impossível, e que se eu conseguisse conviver com ela sem a constante ameaça de guerra para construir uma relação sadia e amiga, com amor e cumplicidade, tendo na minha filha um elo de fraternidade. Eu estava conseguindo, ou pelo menos me iludi achando que estava conseguindo isso quando fiquei gravida e me mantive no rio de janeiro, enfrentei todos os desafios sozinha, para ter minha filha e a maternidade foi mais um obstáculo que materialmente ela me ajudou a distancia. Sem o apoio material dela provavelmente eu teria tido muito mais dificuldade de enfrentar, mas olhando para trás eu sei que não teria desistido.

             Me iludi por acreditar que eu conseguiria passar uma borracha por cima de tudo que aconteceu, senti e vivemos e iriamos começar de novo. A verdade é que não conseguirmos, frases constantes de : o meu consolo é que você vai passar com sua filha tudo que eu passei com você me atingem de forma dolorida. Porque eu sei que fiz minha mãe passar por situações muitas vezes constrangedoras, fiz coisas que olhando agora como mãe me arrependo, mas olhando minha filha eu vejo que ela não terá motivos para agir da mesma forma, eu não irei culpar ela por tudo que os outros vierem me falar que ela fez sem nunca acreditar nela, sem nunca dar a ela o direito de se defender e apresentar sua versão da historia. Quero e peço à Deus por misericórdia cada vez que escuto essa frase, não porque amaldiçoou minha mãe, mas porque sei que como ser humano as pessoas erram, e aprendemos com nossos erros e com os erros dos outros.

            Podemos aprender errando, observando o erro dos outros, ou tendo empatia. Ou podemos simplesmente ter memória. Eu não me permito esquecer algumas sensações que eu tive e me ensinaram, alguns chamam de rancor, eu não acho que seja, se fosse eu me lembraria o nome das pessoas que estavam envolvidas nas situações, mas eu só me lembro da situação em si e do sentimento que ela me trouxe, então não acho que seja rancor. Foi dilacerante e me machucou demais levar uma surra do meu pai por uma coisa que eu não havia feito, alguém sabia que eu não havia feito e assistiu eu ser castigada por aquilo e não me defendeu. Aquilo até hoje me vem na memória quando eu sei de algo e vejo alguém sendo injustamente acusado por aquilo. Podem me chamar de boba! Sei que posso nem ter passado por isso. Pode ser uma impressão forte que ficou de algum filme que vi quando criança. Mas sou assim.

            Isso é muito forte em mim, que já me coloquei em perigo por isso. Se não morri é porque Deus teve misericórdia e colocou anjos para me protegerem. A mais recente das vezes foi saindo do hospital, minha filha internada na UTI e eu fui assaltada, levaram meu telefone, foi muito rápido, dois drogados, aparentemente armados, Caxias – RJ, Viaduto da Dutra, Próximo a Maternidade; ali é ponto conhecido de drogados e ladrão. Mas naquele dia eu estava distraída, extasiada por minha filha ter saído de uma unidade de terapia super intensiva e ido para uma de terapia um pouco menos intensiva, tinha passado minha primeira noite em claro sentada em uma cadeira de bar velando pela minha bebê dentro do hospital ouvindo choro de neném e bip de maquinas de hospital. Minha cabeça estava zoada. Quando os ladrões chegaram, eu me desesperei e tentei segurar o telefone, eu só pensava nas fotos da minha filha que eu tinha tirado durante a noite. Eles me empurraram e levaram o telefone e só não atiraram em mim porque apareceu um senhor correndo e eles correram.

            O senhor me acompanhou aos prantos até o ponto de ônibus, me deu dinheiro para que eu pudesse pegar um ônibus para ir para casa e comprou uma agua pra mim. Ele e outras pessoas no ponto tentaram me acalmar, eu não conseguia falar, o que ninguém sabia, ninguém precisava saber e eu só tremia e soluçava. Lembrei do cartão de crédito do pai da minha filha que estava na bolsa, do meu cartão de banco. Sentei, chorei e chorei. Do nada começou uma gritaria e quando eu vi as pessoas se juntavam e pareciam agredir uma pessoa no chão e tinha uma coisa ao lado. Era minha bolsa! Eu não pensei, entrei no meio daquela gente que agredia aquela pessoa e peguei minha bolsa. Não tinha sido ele que pegou minha bolsa. Ele olhou pra mim e disse eu vi quando pegaram da senhora e jogaram fora, achei que a senhora ia querer as roupinhas. Eu olhava pra ele e não conseguia chorar mais, levantei e comecei a gritar com as pessoas, chamar todos de loucos, falar que aquilo não se faz. Até que um deles falou: quando os caras te roubaram eles não perguntaram nada pra senhora, a gente ia esperar ele te matar pra fazer alguma coisa?

            Isso me fez pensar, naquele dia eu entendi uma coisa, moramos em uma sociedade tão doente que mesmo quando queremos ser bons somos compreendidos de forma errada pelas pessoas. Apenas porque as pessoas não sabem mais o que é exercitar a boa ação com o próximo. E não é apenas uma palavra, um texto ou um gesto aleatório. È um exercício diário que temos eu nos policiar em fazer sem escolher para ou por quem estamos fazendo. Para nos sentirmos bem com os outros e eles verem que somos bons? Não. Para nos sentirmos bons conosco e sermos bons apenas por sermos bons. Faz parte de ter um mundo melhor para nossos filhos sermos pessoas melhores.

            Eu não sei se vou conseguir ser uma pessoa muito melhor, não sei se consigo ser uma pessoa boa, conforme envelhecemos vamos ficando chatas, eu já tenho algumas manias de velha, mas estou me policiando para essas manias não se tornarem insuportáveis. Apenas quero a sabedoria de conseguir mesmo com minhas manias acompanhar minha filha e sua trajetória sem me colocar no seu caminho ou interferir no seu desenvolvimento. Quero poder ver ela desabrochar e ser um apoio nesse florescer dela e não fazer ela se sentir presa a mim como muitas vezes eu me sinto com minha mãe.