terça-feira, 1 de junho de 2021

De minhoca a lagarta

     Esses dias eu saí com meu cachorro e ainda não havia amanhecido, estava bem frio, mas não havia neblina, e a claridade da manha começou a se pronunciar no horizonte, com ela veio uma neblina gelada que cobriu a grama e fez o horizonte ficar branco e perto. Foi estranho, sai de casa com meu cachorro vendo os pastos da fazenda de gado que tem no horizonte distante em frente ao terreno do condômino e nem havia completo a volta ao olhar na mesma direção minha respiração fazia fumaça, e a casa da esquina não era visível com a densidade da neblina que se formava com o amanhecer. foi meio mágico e me senti em um dos romances que leio sobre neblinas e amanhecer e me permiti apenas viajar na fumaça que minha respiração fazia, ouvindo a musica que tocava no meu fone e sorrindo com a agitação do meu cachorro que não conseguia se decidir entre um poste e a arvore para marcar com a urina.

    Meus pensamentos ficaram divagando, a musica me embalou e me vi encaixando peças da minha historia que nunca antes fizeram sentido. Pelo menos não para mim. Eu entendi, ou melhor compreendi que eu não seria eu se tivesse permanecido onde eu estava há 14 anos atrás. Porque eu mudei fisicamente? Não, porque eu desabrochei emocionalmente. Posso me descrever atualmente como uma lagarta em busca de um lugar apropriado pra formar um casulo e permitir que minhas asas se desenvolvam e eu possa finalmente voar, mas sei que não será assim. É diferente. Pode haver semelhanças, e sempre poderei comparar mudanças e estados emocionais, com o que existe de belo e feio na natureza, nos contos de fadas e nas criações da Disney, mas é diferente. Posso dizer que essa etapa foi como deixar de ser minhoca e passar a ser lagarta. Evolui dentro da minha própria essência.

    Loucura isso, mais é verdade, eu continuo fazendo aniversario no dia que minha mãe afirma que o médico me puxou de dentro dela pelo método de fórceps (que hoje todos sabem que é uma violência contra a mãe e o bebê), mas que ela sempre fez piada sobre isso. Mas nessa caminhada me caíram algumas fichas, não sei se na velocidade com que se formou a neblina ou se na velocidade com que se condensou a minha respiração, mais muitas ideias de acumularam na minha cabeça e foi difícil começar a desenrolar para começar a escrever sobre, era como se eu houvesse encontrado um cesto de lãs debaixo da cama, e uma mais bonita que a outra, algumas dá pra perceber que estão desgastadas, mas enroladas em partes com outras cores e algumas provavelmente fizeram nós entre si mas, dá pra puxar alguns fios separados, e tentar enrolar alguns novelos separados para colocar um pouco de ordem para decidir o que fazer com tudo isso depois. 

    Comecei com as do podcasts, pois eles me ajudam muito a encontrar as pontas desses pensamentos e desenvolver eles e conseguir expressar eles, com um pouco de sentido. Assim que decidi isso e pedi a autorização da autora dos meus podcasts favoritos consegui depois de ouvir e transcrever alguns áudios, começar a escrever algumas ideias, e essa foi a primeira, minha evolução de minhoca para lagarta. Eu sei que soa muito estranho isso, mas pra quem estuda ciência na escola a evolução tem coisas bem estranhas de se entender, mas também são coisas que fazem todo sentido se você se permitir observar. Ou então você escolhe não observar, achar que é loucura e continuar chamando de mágica acreditando em impossível ou se  entregando ao desconhecido sem saber ou se interessar em saber e isso é uma escolha e está tudo bem escolher assim. Como diz a Ana, está tudo bem, cada tempo é o tempo certo e tudo tem o tempo perfeito para acontecer no agora perfeito de cada um.

    No meu agora, estou escrevendo esse texto e me lembrando de quando me chafurdava na lama e na terra molhada e me sentia feliz da vida com isso. O que isso significa de verdade? que quando eu era mais nova, uma balada com musica alta e muito dança, musica e zoeira eram o meu modo de diversão máximo, com um final que sempre eram estado alterado de consciência, desequilíbrio e exaustão física.  Parei de gostar disso? Não. Apenas não considero isso como minha primeira opção de diversão já tem muito tempo, já a algum tempo acho que me tornei uma minhoca de minhocario, dom direito a comida selecionada e que teve o beneficio de não ser usada como isca de pesca nem alimento de pássaro. E sim estou rindo enquanto escrevo.

    A verdade é que os diálogos com minha mente buscando explicar essa evolução de minhoca a lagarta está ficando mais engraçado e eu não imaginei um texto engraçado, mais algo filosófico e cheio de inspiração. Mas minhocas não inspiram muita coisa né, apesar de terem sua utilidade. E eu acredito que esse meu estado de minhoca ainda não se despediu totalmente de mim, sei que estou ainda em fase de transformação. Porque eu ainda sinto o cheiro da terra e vontade de me jogar lá e me acabar. Mas sei que aquilo não vai me dar a mesma sensação de felicidade. Mas você já parou pra pensar em como a minhoca se sente quando por teimosia acaba indo parar na superfície da terra e expondo aquele corpo ao sol?

    Essa fragilidade da minhoca eu tinha na minha essência, eu não podia ouvir uma critica, era como o sol do meio dia passando por uma lupa sobre o corpo de uma minhoca, se permanecesse, a ferida era profunda. Mesmo a minhoca podendo se regenerar, ela é um ser frágil. Muito versátil, mais com limitações. Passa despercebida, mas tem sua importância. E é por isso que eu comparo a minha essência a uma minhoca; eu sempre senti que tenho essa importância mesmo que passe despercebida muitas vezes, e em alguns casos só se percebe minha ausência depois que eu tenha partido; mas eu sei que marquei a vida das pessoas. E sei que marquei de uma forma ou de outra. Lamento pelas pessoas que marquei de forma negativa, mas agradeço por elas terem me dado a oportunidade de conhecer esse meu lado capaz de fazer as coisas que fiz (apesar de não lembrar de algumas dessas coisas). 

    Eu não entendo muito sobre minhocas, na verdade eu sei que elas vivem em solos férteis, e são fundamentais para fertilizar um solo, transformando alimentos em adubo. Usada em minhocario, e uma terra é considerada nutrida se houver minhocas nela, porque a minhoca é também responsável por oxigenar o solo. Mas, isso pra mim é o que eu preciso saber para entender que essa fase da minha vida já esta acabando, estou me transformando, mudando. Posso ter escolhido errado o animal do momento, e em outro post fazer uma comparação diferente sobre essa mudança com outra coisa ou animal, mais no momento achei que esses mostram claramente minha mudança.

    Porque eu já não me contento com o escuro de ficar embaixo de algo fazendo minha tarefa de sempre e eternamente sem nunca fazer nada diferente e sempre a mesma coisa, sem alterações de rotina. Eu quero a luz do sol, poder andar em diferentes solos, sentir texturas nas patinhas, perceber o vento e as mudanças do clima na penugem sobre meu corpo e comer folhas de diferentes plantas. Quero poder experimentar sim uma coisa diferente, quero saber onde vai acabar se eu continuar subindo esse tronco dessa arvore pra conseguir alcançar aquela folha e comer ela porque a cor dela é diferente das outras. Muitos podem me falar que vou virar comida de passarinho se fizer isso, mas e daí? Vou deixar de viver porque o passarinho pode me comer? 

    Estou vivendo como uma lagarta, e sim ainda tenho vontade de me esconder debaixo da terra quando sinto o chão molhado e o cheiro da grama molhada, mas não tenho medo de ser comida de passarinho porque eu quero explorar o mundo e viver, afinal a vida pode acabar amanha e eu não quero perder tempo. Agora trazendo isso para a minha realidade, traduzindo para palavras reais e menos poéticas e sem fazer trocadilhos; eu não quero uma rotina chata de ter que trabalhar com algo que não me fará feliz, para satisfazer uma sociedade que acha que eu devo fazer algo que eu fui programada pra fazer. 

    Quero viver uma vida de verdade, poder sentir as alegrias e as tristezas da vida sem medo de que elas sejam absolutas e únicas, porque tudo na vida é passageiro, transitório, pode ser que eu seja amanha uma pessoa que trabalha para fazer algo programado, ou pode ser que eu seja apenas a lembrança na memoria de alguém. Eu quero apenas viver e quero que essa vida seja vivida de forma linda e escolhi me comparar nessa fase de descoberta dessa vontade com uma lagarta pela simplicidade e fome de vida que ela tem antes de parar e esperar na forma de casulo que a beleza de sua forma de borboleta se revele ao mundo.

    Sei que não posso adivinhar nem programar meu amanhã, já tentei fazer programações e só serviram pra me deixar estressada e aflita por não conseguir atingir meus objetivos, então eu meio que faço uma lista de possibilidades e coisas que eu gostaria de fazer, e quando acordo eu vou fazendo o que dá. Estabeleci prioridades, como dar bom dia a minha filha, e sempre que eu sair de casa sem ela temos uma tradição de darmos tchau com beijos de diferentes partes do corpo, beijos de testa de bochecha, de olhos, de orelha, de ombros... e ela vai escolhendo as partes até ela dizer que tá bom e dizer só não vai além do programado e volta logo. Sinto falta se não fazemos isso. Não importa se vou ali na esquina sem ela ou se vou passar o dia fora, é algo nosso que é prioridade. Meu café da manha, e minha refeições quando consigo sentar pra fazer são coisa importante.

    E além dessas prioridades eu descobri que escrever aqui no blog, me dá prazer, me trás equilíbrio e paz, então eu tento fazer isso com frequência. Faço algumas coisas on line para conseguir alguns centavos de dólares para conseguir algum trocadinho e comprar um lanche para a Manu e algum mimo ou a assinatura de livros que fiz pra ela esse mês. Mas ganho proporcional ao que me dedico e não me dedico tanto quanto deveria porque não é uma atividade que me dá prazer. Quando sento para escrever aqui nem vejo a hora passar e nessas conversas onde escrevo para essa plateia imaginaria eu me sinto completa. Feliz. Grata de poder fazer isso com tanta facilidade, e talvez por isso eu tenha tanto receio de começar a divulgar meus textos. 

    Talvez nessa minha transformação eu esteja com aquele frio na barriga de como eu vou reagir as criticas desconstrutivas que com certeza virão e serão feitas sem nenhum amor ou empatia e que eu sei que antes eram capazes de me desmontar em pedaços e tantas vezes foram capazes de me desestimular e me tirar do caminho que eu estava determinada a seguir. E pensando nisso me lembro dos planos e projetos que deixei pelo caminho ao longo da minha vida, e me vejo nos tuneis de minhoca embaixo da terra e tenho ainda mais certeza de que já sou uma lagarta mesmo. Mão tem mais espaço mais pra mim nesses tuneis, não consigo voltar mais pra debaixo da terra, e se tentar vou ficar feio e vou ficar mais exposta ao perigo de me tornar comida de passarinho entalada na entrada do buraco do que se me arriscar e seguir em frente. Então vamos nessa... Seja como for, esse é o meu agora, e será o meu agora perfeito.