Tenho certeza que meu companheiro à época percebeu, e certamente entendeu que eu estava contendo a raiva sobre o que aconteceu para nao ficar violenta com ele. Ele sabia que eu tinha medo de como podia ficar violenta caso perdesse o controle, e ele sabia como eu era explosiva. Então aquela raiva contida deixava claro pra ele nao falar no assunto. E ele nunca mais tocou no assunto, nem pra pedir desculpas, e nem pelo amigo que pisou na bola e passou a frequentar nossa casa por alguns meses. Enfim enquanto falo sobre isso entendo algumas situações que na época eu nem poderia imaginar. Mais transformei esse raiva em fome, e comia, comia lanches, comia salgadinhos, comia e comia. Do ano de 2006 ao ano de 2008 eu engordei 40kg e atingi a marcar de 160kg, quase a minha altura em dobro, os remédios antidepressivos nao tinham efeito e eu só queria dormir quando os tomava, e a escolha entre comer e dormir o comer sempre ganhava e os remédios ficavam na prateleira.
Hoje escrevendo eu entendo que o meu ex marido me dava o que eu pedia pra ele, por que sabia que minha tristeza e depressão só foi agravada com a decepção que ele ajudou a ser concreta na minha vida. Eu nao tinha mais vontade de nada, e nada tinha graça, ou eu me interessava por algo por alguns momentos e logo perdia a graça. Em 2008 eu encontrei uma psicóloga que me fez ver as coisas com mais clareza, e na busca por um culpado sobrou pro meu ex marido. Mais eu poderia ter feito diferente, ter ido a cidade da prova um dia antes e etc. Mais não fiz, porque a minha energia na época era de derrota, e acabei atraindo coisas que me ajudaram a sabotar uma grande e real oportunidade. Eu entendi que precisava mudar minha energia, mais depois de cada sessão eu chegava em casa e só queria comer e depois dormir.
Foi uma consulta de rotina com meu ginecologista que ele foi duro e claro comigo, depois de um ano ele olhou pra mim e perguntou se eu queria me matar, e diante da minha negativa ele me recomentou um colega dele psiquiatra e me falou que se eu acreditava que o que eu estava fazendo nao era uma busca pela morte eu tinha que ir atrás desse psiquiatra. E eu fui, porque conscientemente eu nao estava tentando me matar. Mais depois da primeira consulta eu entendi que estava sim sub conscientemente tentando me matar, As comidas carregadas em óleo e açúcar, os litros de refrigerante ao dia, e dormir depois de tudo isso era claramente um sintomas de suicida funcional, a qualquer momento eu poderia dar cabo a minha vida e ninguém nunca ia entender já que eu era uma pessoa comunicativa e cheia de brincadeiras. Irônica era minha postura diante de quase todas as circunstancias da vida.
Na época nós nos mudamos para um bairro perto de outros familiares, inclusive meus avós. Era um bairro cheio de ladeiras e de difícil acesso ao ónibus, então com a possibilidade de ter pra onde ir e com quem conversar sem precisar ficar em casa eu comecei a sair de casa um pouco mais, os remédios que me foram receitados me deram um empurrão pra viver mais minha vida. Mais foram eles tbm que me levaram a uma fase que eu realmente nao consigo me lembrar, mais meu ex marido me conta assim como minha tia que ele só salvou minha vida porque Deus tocou e colocou a mão fazendo ele voltar pra casa depois de sair pra trabalhar para buscar algo que ele achou importante, Me encontrou com a faca na mão ainda depois de cortar meus pulsos as 8 da manha. Eu estava sentada no sofá. Me levou ao hospital, e eu permaneci internada por 3 dias.
O psiquiatra falou que poderia ter sido um efeito colateral do remédio, mais poderia também ser uma evolução no tratamento porque eu finalmente percebi que estava tentando me matar a tanto tempo sem sucesso que escolhi fazer isso de forma mais eficaz com tempo hábil de ninguém me socorrer, ja que a rotina era o marido sair de manha e só voltar de noite, as vezes bem tarde. Eu realmente nao me lembro disso, de nada daqueles dias. Mais me lembro que ao voltar pra saca sem medicação fui indicada a fazer um tratamento de 2x por semana com a psicóloga. E nessas sessões eu entendia um pouco mais sobre mim, e precisava ter mais auto conhecimento. Nas seções eu permanecia apática, como se a vida fosse um cinza em linhas retas. Acordei pra vida como dizem, mais pra uma vida sem cor e sem graça.
E nesse acordar eu corri atrás da minha saúde, e comecei a conseguir controlar minha compulsão alimentar, mais como era difícil! Me lembro de varias vezes em que o marido trouxe lanche pra casa e eu recusei pra comer salada com bife, e depois acabava comendo o lanche mesmo assim, apesar de evitar o refrigerante, eu acabava comendo, afinal jogar fora um lanche tão bom era até pecado. Como foi difícil, as vezes eu sozinha em casa eu queria comer algo diferente, preparava uma massa de nhoque de batata, fazia o molho cozinhava tudo, limpava a coisinha e depois de tudo pronto e servido eu me sentia culpada e acabava deixando o prato no formo e o marido comia todo feliz achando que eu estava melhorando, e me dedicando ao nosso relacionamento. Aprendi muitas receitas nessa época. Descobri muitos combinações de temperos naturais e me aventurei muito na cozinha. Foi nesse ano que minha mãe resolveu fazer uma cirurgia bariátrica, e eu assumi os cuidados alimentares dela na época.
Eu aproveitei varias vezes os legumes do caldo que fiz para ela para fazer sopas para o meu jantar. E caminhava até o mercado com meus cães para ir buscar legumes frescos e temperos naturais de uma horta que havia lá no bairro na parte alta, então era uma caminhada que dava mais de uma hora de ida e volta, e eu fazia todos os dias. A revelia de cuidar da minha mãe o fato é que eu emagreci 20kg nessa rotina e foi em uma caminhada dessas que perdi a consciência na calçada perto da UBS do bairro e ao medirem minha glicemia eu estava com 830. Eu nao fazia ideia do que isso representava, mais a medica e toda a equipe se surpreenderam. Enfim, minha psicóloga foi acionada, e o psiquiatra entrou de novo na historia. Ele me parabenizando porque eu havia emagrecido e estava conquistando uma rotina e ela preocupada porque no ver dela eu estava me sobrecarregando e me escondendo por traz de algum problema pessoal mais profundo.
Não sei vc mais eu acredito muito que as situações que engolimos e temos dificuldades de expressar se refletem em doenças no nosso corpo. Nem toda doença é reflexo disso, mais muitas delas são. Fui diagnosticada diabéticas aos 24 anos de idade. Eu sabia o que era a doença, e o que ela representava, sabia inclusive uma possível origem além da genética para estar manifestando essa doença em mim, Mais não estava pronta pra tratar o problemas psicológico que alimentava o fator físico dessa maldita doença. Não apenas alimentação que eu precisava mudar, e hoje escrevendo sobre isso eu me admiro por mesmo sem saber tudo que sei hoje sobre minha diabetes e os motivos que me levaram a desenvolver essa doença eu consegui controlar a bendita por anos só com reeducação alimentar. O Descontrole da minha diabetes aconteceu quando tive que aceitar uma mudança na minha vida contra minha vontade, e suprimi um grito de frustração por educação e me alienei espiritualmente de tudo e de todos.
Foi nessa fase de alienação espiritual que frequentei a igreja evangélica, no seguimento da assembleia de Deus, e vivendo dentro da "vontade" de Deus eu me obriguei a aceitar algumas coisas que meu corpo gritava que eram erradas e minha vontade era de gritar e falar tanta coisa. Enfim eu via as coisas erradas, nao fazia minha possível parte pra mudar e não abria a boca pra reclamar do que eu percebia estar errado. Eu tentei de forma concordata e sensata ser parte de uma comunidade que eu sentia no intimo nao me aceitava, nem considerava a possibilidade de que eu fizesse parte dela. Eu senti falta de mim mesma, eu me perdi de mim e permaneci dessa forma por alguns anos, aprendi coisas a meu respeito e a respeito de mim como nunca antes. Mais eu olhava pra fora, tudo era de fora pra dentro, partindo dos outros e nao de mim, e a vida foi ficando insuportável. Viver foi me sendo pesado, eu ja nao via possibilidade de amar o outro como Jesus me amou e isso era dolorido. Em uma oração desesperada e cheia de erros eu pedi a Deus que me levasse para morar no céu, ou inferno, mais que me tirasse daquela situação. E Deus me ouviu, me presenteou com algo que tirou meu chão e mudou meu mundo.
As pessoas acham que quando cansamos de viver querermos a morte, e era isso que eu achei que queria, morrer; mais Deus me mostrou que eu tinha uma escolha, e me deu a oportunidade de ser mãe. De amar e construir uma relação de amor com um outro ser humano. Eu abracei a oportunidade, e contrariando meu instinto de me sentir proprietária me senti coadjuvante. Passei a viver minha vida em função dela, minha filha. Durante toda a gestação e por alguns meses depois que ela nasceu eu vivia em função dela, para ela e literalmente por ela. Eu nao tinha prazer em estar viva, eu nao tinha vontade de estar viva, eu nao sentia nenhuma alegria em acordar todas as manhas e viver minha vida, fosse o que fosse, mesmo que aquela situação fosse diferente acredito olhando agora pra trás que nao teria feito diferença se ela tivesse nascido com o peso pra idade, ou o tempo certo de gestação.
Eu nao queria mais viver, era isso. E a existência dela me fazia continuar vivendo, eu fazia por ela o que eu sabia que uma mãe deve fazer por seu filho. Nessa fase da minha vida me reaproximei da minha irmã mais nova, e ela tendo um filho com seus quase 10 anos me aconselhava e me mostrava onde eu podia fazer diferente com a minha filha que ela fez com o filho dela. Mas eu me perguntava o tempo todo se eu iria conseguir. Duvidava de mim mesma em questões de caráter e moral que eu via ser colocado quase como regra para as crianças e eu nao as considerava certas, úteis ou mesmo necessárias em uma educação. E me aprofundei mais em conhecer a educação respeitosa, ou educação afetiva que tanto se fala hoje em dia, mas que há 5 anos atrás era uma polemica sem tamanho, tanto pra quem educa os filhos como para os filhos educados dentro dessa metodologia.
Eu decidi e comecei a educar a Manuella dentro desses princípios. Alguns deles eram conflitantes com coisas que eu escutava na igreja, de irmãs que educaram seus filhos na tal da vara curta. E isso foi me afastando da igreja, minha filha e a educação pra que ela seja um adulto emocionalmente inteligente e possa tomar suas próprias decisões sem depender de mim ou do pai para tomar essas decisões é algo que me move desde o começo. Decidir certas coisas quando eu via que meu único motivo pra continuar nesse planeta é minha filha me fez perceber que sem mim ela nao terá o que eu almejo pra vida dela. Simplesmente porque a minha família nem a do pai dela tem condições de oferecer a ela o que eu acredito que ela possa desenvolver se for bem encaminhada. Amor ao próximo, empatia, carisma. Coisas que eu acho importantíssimas mas que não se ensina se nao pelo exemplo.
Eu escolhi esse caminho pra mim, e no momento de maior solidão e desalento Deus me disse que me daria uma pessoa pra ser meu apoio. E como sabemos os planos de Deus não são como queremos ou esperamos e criamos expectativas, tanta expectativa que quando essa pessoa veio eu abri mão da minha própria vida por ela. E agradeço muito ao choque de realidade que tive quando adoeci com ela internada no hospital da Criança em Belford Roxo e ninguém pra me dar suporte ou apoio. E mesmo a Manu internada e entupida de medicação ela me mostrou que para viver nao precisamos de muito. Apenas nossa união e nossa amizade. E eu decidi vir embora pra SP com minha filha. Porque aqui eu poderia conseguir uma escola integral pra ela sem medo de me atrasar pra buscar caso tivesse algum imprevisto. Porque aqui eu teria o apoio da minha família.
Super valorizei quem falava que me apoiaria quando eu estava longe, e acabei vivendo anos de tormentos psicológicos e medos assustadores que me fizeram considerar muitas coisas, inclusive minha vontade de viver pela minha filha. Aprendi e consegui entender que temos vidas separadas e a forma que eu a sobrecarregava com essa de nao ter vida além da vida dela poderia depois se tornar um problema, como o que eu tinha e ainda tenho de conviver com a minha mãe. Então eu comecei a mudar, permitir que minha filha tivesse a própria vida, fizesse as próprias escolhas, por mais que que me desagrade. E isso tornou nosso vinculo ainda mais forte. Eu e a Manu nos entendemos no olhar e ela hoje com 5 anos de idade dá um baile de controle e maturidade emocional que nem eu acredito as vezes em coisas que ela me fala ou pergunta.
E com todas essas mudanças eu hoje vivo a vida pra mim, e minha filha vive a vida dela pra ela, e sim estamos juntas nessa fase das nossas vidas e somos mãe e filha. Ela me respeita e eu a respeito, temos conflitos sobre questões que eu sei que deveria ser eu mando e ela obedece, mais sei que minha experiência na fase de alienação espiritual me deixou bem consciente do quanto é importante esses conflitos. E estou ensinando minha filha, não a fugir dos conflitos, mas ser consciente que eles acontecem e precisam ser resolvidos da melhor forma para as pessoas envolvidas. E principalmente que quando um conflito existe ele é reflexo de algo errado no relacionamento. Então posso dizer com certeza que ainda terei vários insights na vida. Posso virar minhas chaves ainda algumas vezes. Mas com certeza a vda que vivi até agora foi muito bem vivida.